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terça-feira, 31 de maio de 2016

Crônica - Da Gaveta à Livraria

Muitos autores novatos iniciam um livro com grandes ambições: escrever uma série com vários volumes, uma saga grandiosa, um “livrão” – e esse sonho tão desejado acaba morrendo melancolicamente numa gaveta. Vocês sabiam que muito autor competente já caiu nessa armadilha? Pois eu também tive a minha dose de “livro de gaveta”, e vou contá-la a vocês.

Tinha dezesseis anos. Desde criança, eu adorava contos de fadas, e já havia lido edições bem cuidadas de contos de Grimm, de Perrault, de Andersen, e até de Mil e Uma Noites, mas andava sentindo, agora que me julgava gente grande, um gosto de “faltou alguma coisa” nessas leituras. Vale dizer que ainda não estávamos na era de Harry Potter e similares e, por aqui, os livros de fantasia publicados não ofereciam muita variedade.

Então aconteceu: descobri O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien. Ao ler a saga de Frodo e companhia, fui tomada por um verdadeiro êxtase. Que personagens! Que cenários! Que maravilha sem fim! Era exatamente isso que estava procurando: uma história de fantasia com todo o detalhamento, a complexidade e o aprofundamento que o tema permitia. Eram os livros da minha vida, a mais absoluta perfeição em forma de escrita!

Eufórica, logo comecei a escrever a minha própria saga. Não tinha a pretensão de me equiparar a Tolkien, nem pensava nisso. Aliás, nem passava pela minha cabeça publicá-la um dia. Queria apenas fazer algo semelhante a O Senhor dos Anéis, tentar repetir na escrita o prazer que a leitura havia me proporcionado. E fui em frente, cheia de vontade. Chamei a minha obra, provisoriamente, de Contos de Ligreh, pois a palavra “ligreh” significava na língua local – que eu acabara de inventar – “neste momento, neste lugar”.

Assim que criei Ligreh, senti a necessidade de explicar no que ele diferia do nosso mundo. Escrevi uma longa introdução, contando como Ligreh havia surgido, como havia se dividido num mundo visível dos humanos e um mundo invisível, povoado por deuses e demônios. Depois, imaginei um mapa, delimitando as fronteiras dos quatro reinos principais, marcando os pontos geográficos, as florestas, os rios, etc. Aí, comecei a imaginar as histórias da dinastia de reis e rainhas de cada reino, que tinham, claro, suas diferenças de costumes, hábitos, talentos naturais. Depois surgiram heróis, vilões, magos, cavaleiros, monstros, dragões... Havia nações em guerra, traições, lendas, maldições e poderes especiais, mortes e paixões.

Sentiram o tamanho da minha empreitada? A minha saga era algo como uma Guerra dos Tronos desenvolvida por uma garota de dezesseis anos. Ou melhor, de dezessete anos. Ou de dezoito. Pois é, esse meu sonho durou três anos. Cheguei a escrever quase trezentas páginas dos Contos de Ligreh, que compreendiam a introdução e uma série de quase dez episódios que iam mostrando a formação de cada um dos reinos de Ligreh. Eu escrevia quando tinha vontade, aleatoriamente, conforme as ideias iam surgindo. Algumas delas mostraram-se boas, mas o conjunto nada mais era do que uma colcha de retalhos. Depois de tantas páginas, parecia que a história de verdade ainda nem tinha começado. Se fosse publicá-lo hoje, cortaria cerca de 90% dessas páginas.

Foi assim que Contos de Ligreh acabou na minha gaveta e lá permanece, assombrando de vez em quando as minhas lembranças. Não me arrependo de tê-lo iniciado. E nem de tê-lo abandonado assim que ingressei na faculdade. Contos de Ligreh me ensinou a aprimorar meu texto, a criar personagens, a imaginar cenários e, principalmente, a trabalhar duro pela escrita. Mas ainda não era um livro.

A minha experiência deixou algumas lições valiosas sobre como REALIZAR um livro. Realizar, sim, pois escrever não é a mesma coisa que realizar. Escrevi meu livro durante três anos, mas não consegui realizá-lo. Isso porque eu não sabia, na época, que uma das lições mais importantes para um escritor era esta. Um escritor amador escreve, um profissional realiza. E, para REALIZAR um LIVRO, é preciso atentar para uma fórmula bem simples:

LIVRO = AMBIÇÃO/EXPECTATIVA <–> CAPACIDADE/ENERGIA

Ou seja, você precisa saber se o tamanho da sua AMBIÇÃO/EXPECTATIVA com relação ao livro é equivalente à sua CAPACIDADE/ENERGIA para realizá-lo.

A minha ambição quanto à carreira de escritor era zero, pois eu nem sonhava com essa possibilidade, mas a ambição quanto ao livro, em si, era imensa, pois era do tamanho de um O Senhor dos Anéis. A minha capacidade, energia e tempo, obviamente, não eram suficientes para tamanha missão. Como resultado, o monstro da gaveta engoliu e sepultou o meu livro.

Se você também está pensando em realizar um livro, já parou para pensar nisso?

Quando temos consciência do tamanho da nossa ambição, temos uma noção mais exata da grandeza da tarefa – o livro – a qual estamos nos candidatando a realizar. Sabendo o tamanho do livro, podemos partir para uma visão mais concreta: estabelecer um número aproximado de páginas, de capítulos, de episódios. Podemos analisar o nosso tempo disponível, adequá-lo para o trabalho, estabelecer um prazo.

E o mais importante: teremos, a qualquer momento, a noção exata de qual estágio do projeto estamos. Isso significa que, quando você se sentir cansado, sem energia, poderá pensar: “ah, mas já estou na metade do livro”, ou “falta só x, vou me esforçar mais um pouco”. Isso tem uma importância capital para a realização de qualquer coisa, não apenas para um livro, não acham?

Walter Tierno e eu resolvemos criar o curso 3 de ESCREVIVENDO, “Da gaveta à livraria”, quando notamos o número enorme de autores novatos que vinham até nós com livros inacabados. Sentíamos, em cada um deles, como era doloroso ter esses pequenos e grandes sonhos trancados na gaveta. Resolvemos então desenvolver um curso que reunisse esta e muitas outras dicas para autores. Além de tomar conhecimento das dicas, os participantes as exercitariam na prática, com o nosso acompanhamento, durante os workshops presenciais e online.

E o curso, finalmente, está pronto. Com ele, queremos ajudar autores a REALIZAR o seu livro, resgatá-lo do limbo e, finalmente, levá-lo à prateleira de uma livraria, de uma biblioteca, de sua casa.

Ei, você também tem livros na gaveta esperando para serem libertados?

Então dê um clique neste link: ESCREVIVENDO 3 – Da gaveta à livraria para saber mais detalhes e, se achar que podemos ajudá-lo, inscreva-se. Ainda dá tempo de participar, pois o curso começa no domingo, dia 05/06/2016. Estamos aceitando as inscrições até sexta-feira!

Ah, você é apenas um leitor e nunca pensou em escrever um livro?

Então contamos com você na torcida, para que mais e mais bons livros saiam das gavetas e alcem voo pelas prateleiras da vida.

Afinal, é o que nós, leitores e autores, mais queremos, não é mesmo?



Texto e ilustração: Giulia Moon

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