Chamam-me de vira-lata,
mas na verdade esse é meu sobrenome. Sou Felipe, o gato mais lindo do bairro.
Tenho os olhos azuis da cor do céu e os pelos mais dourados e macios já vistos.
Aceito meu sobrenome porque sempre virei latas de lixo quando queria roubar um
lanchinho.
Os humanos não imaginam quantas delícias eu encontrava
no lixo! Ossos de peixes, restos de carne e frango. Bem que poderiam separá-los
e deixar num pratinho ao lado do cesto, aí eu não iria virar e derrubar tudo
fazendo estardalhaço nas madrugadas.
Todos ficavam muito irritados. Tinha até um senhor
bigodudo, que ficava tão nervoso que saía de casa gritando, parecendo um doido.
Aquele humano era tão esquisito! O bigode dele era tão
estranho que parecia que ele tinha engolido um passarinho e deixado a parte de
trás pra fora, as penas brancas esvoaçando em volta da boca. Minha vontade era
chegar mais perto e conferir se não tinha mesmo um passarinho preso ali.
“Eu adoraria comer um passarinho nessa madrugada...”
Eu sempre pensava.
Uma noite dessas, ele ficou tão nervoso! Ficou lá,
berrando e chacoalhando aquele bigodão, pensei que me mataria. Mas, além de
lindo, também sou esperto. Fugi antes que me alcançasse.
Eu já tinha me acostumado com ele e com seus gritos,
até achava que, se um dia ele não aparecesse, ficaria triste.
Na última vez que fui até o lixo do bigodudo, senti
um aroma delicioso de peixe fresco. Abocanhei aquela gostosura sem demora e me
distraí um pouquinho. Nem vi quando ele surgiu, mostrando aqueles dentões no
meio dos penachos.
“Ah, não! É o bigodão! Agora ele me pegou! Socorro!”
O covardão me agarrou
pelo pescoço, me jogou numa caixa com grades e fechou a tampa. Eu estava preso!
Fui levado pra dentro da casa do bigodudo, que me colocou num canto e, nem com
o meu chorinho de lamentação, quis me libertar.
Comecei a miar mais alto. Ele me mandou parar, mas
eu não conseguia. Estava com medo, fome, vontade de fazer xixi e queria voltar
para as minhas latas.
Até que o bigodudo chegou mais perto e olhou pra
mim. Primeiro com uma cara bem raivosa, mas depois começou a mudar. Foi ficando
sério, até que abriu um leve sorrisinho.
O monstro tinha um coração! Fiquei impressionado,
mas ainda não estava convencido dessa rápida mudança de humor. Em todo caso,
continuei a miar baixinho, sem tirar de cima dele os meus grandes olhos cor do
céu.
Aí ele abriu a portinha da caixa. Estendeu a mãozona
de mansinho e me pegou no colo. Fiquei meio nervoso, quase fiz xixi. Ainda bem que
me segurei, porque ele me levou para o paraíso, que ele chama de cozinha. Encheu
um pires com leite gelado e eu bebi tudinho. Ele tinha finalmente se rendido ao
meu charme.
Depois me pegou no colo de novo, colocou-me no sofá
e começou a alisar meu pelo. Ficou lá me olhando e disse que me achava bonito.
Isso eu já sabia. Afinal, eu sou Felipe Vira-latas, o gato mais lindo do
bairro, é impossível mesmo resistir.
Desde então moro aqui com Bigodão. Faço companhia
pra ele e ele me enche de delícias. Eu deixo que ele me afague e continue
dormindo na cama, que já foi dele e agora é minha. A troca é boa. Não preciso
mais virar as latas por aí, mas quando fico com saudade dessas aventuras, eu
viro a que ele tem na cozinha. Só pra não perder o costume, e para fazer valer
meu sobrenome.
Ah, só pra constar: ele não engoliu um passarinho,
não! Já fui lá verificar...
Conto escrito por Alessandra Morales
Alessandra Morales participou do Escrevivendo 1 - Menos é Mais e Escrevivendo 2 - Criadores e Criaturas.
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