Por Paulo Vitor Mendonça
Peguei meus chinelos nas mãos e senti a areia fofa da praia
abraçando meus pés. Caminhei até a água, dando pulinhos ridículos por causa do
calor que vinha da areia. Pisei na água e senti alívio. Perguntei-me se a morte
era assim, um desespero ridículo antes de um alívio eterno.
Já tinha me despedido de todo mundo que importava, mesmo que
eles não soubessem. Tossi. Minha tuberculose tinha piorado nos últimos meses.
Não tinha mais volta, a doença me mataria em pouco tempo. Então, por que eu
mesmo não deveria decidir quando?
Sempre fui assim: levo o que coloco na cabeça até o fim.
Quando criança, decidi que usaria para sempre a mesma cueca, e sempre dava um
jeito de achá-la no cesto de roupa suja, ou tirava, molhada mesmo, da máquina
de lavar para vesti-la. Até do lixo a salvei, até que um dia minha mãe botou
fogo na pecinha, enquanto me chamava de “demônio obstinado”. Desde então eu sei
o que sou. Um obstinado.
E agora era hora! Joguei meus chinelos e comecei a correr em
direção ao fundo do mar. Sorri, confiante, dizendo adeus ao mundo. Tropecei.
Levantei-me, já amaldiçoando o que quer que tivesse estragado meu grande momento.
Tateei o chão e tirei da água um crânio que sorria com todos os dentes pra mim,
como se tivesse me derrubado de propósito.
Tossi. Sangue voou sobre a caveira, que começou a se esquentar
e borbulhar até que não pude mais segurá-la. Ela caiu na água, produzindo um chiado. Desse
lugar, emergiu uma mulher. Usava um vestido colorido cheio de véus e o cabelo
estava arrumado demais para alguém que era uma caveira havia apenas alguns
segundos. Tinha o mesmo sorriso cheio de dentes.
– Oi, sou Jena, uma gênia, gostaria de agradecer por me tirar
do sono eterno com o seu sacrifício.
– Por nada. – Continuei a minha caminhada para a morte. Mas
a Jena-gênia me seguiu.
– Espera, você não vai ficar espantado? Me perguntar se
posso te conceder um desejo?
– Na verdade, não. Eu estava no meio de um processo, sabe, e
ter que lidar com o sobrenatural vai me distrair muito.
A gênia ficou me olhando, perplexa, e parecia estar tentando
me desvendar. Saco. Estava com pressa e ela lá, com cara de ampulheta
rodando. Depois de longos segundos, ela
sorriu e prosseguiu.
– Ah, agora entendi. Eu posso curar sua tuberculose, você
não precisa morrer tão jovem.
Ela fez uma pausa para ver a minha reação. Ok, ela descobriu
sobre a doença. Gênia, poderes e tudo mais. E daí? Apenas respirei fundo.
– Veja bem, eu já tinha esse plano aqui de me matar. É a
minha grande escapada da vida. Não sou de voltar atrás. E, pensando bem, mesmo que
não estivesse doente, morrer é o melhor caminho, é a liberdade. Sabe o que tem
lá na vida? Contas, contas e mais contas pra pagar. E pra isso você precisa de
dinheiro. E pra isso precisa trabalhar. Gente te mandando o que fazer o tempo
todo. Não, obrigado. Já estou em outra. Agora, dá licença?
Continuei a minha rota para o pós-vida, mas ouvi a garota
choramingando.
– Eu preciso que você faça um pedido! Por favor, senão
ficarei presa a você, mesmo morto, aqui no mar! Por favor!
Saquei que ela ia ficar nesse chororô até a eternidade. A
voz fininha reclamando no meu ouvido.
– Um pedido só? – Bufei e vi que a garota assentia com a
cabeça. – Tá, tá! Me arruma um cigarro.
– Um maço?
– Não, um solto, porque estou com pressa. E faz ele aceso e à
prova d’água.
A garota balançou as mãos e um cigarro azulado surgiu em
minha boca. Traguei fundo e soltei a fumaça. Tossi. Uma bomba.
– Ótimo, genial, você podia ficar rica vendendo esses
cigarros à prova d’água numa praia. – Vi que ela sorriu para mim. – Bom, vou
indo, passar bem.
Caminhei para a minha morte, finalmente, enquanto a garota saltitava,
toda contente, em direção à praia. Logo os meus pulmãos começaram a se encher
de água e eu me debatia, a caminho do fundo do mar. Antes de perder a
consciência, vi a gênia tropeçar nos meus chinelos na beira da praia. Sorri. Bem
feito.
Ilustração de Walter Tierno
Conto escrito no Escrevivendo 1 - Menos é mais.
Conto escrito no Escrevivendo 1 - Menos é mais.
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