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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Conto - Engano



- Alô?
- Oi. Fernanda?
- Hum, não. Acho que você ligou errado.
- Ah, que coisa. Desculpa.
- Tudo bem.
*
- Alô.
- Fernanda?
- Não, não tem nenhuma Fernanda aqui.
- Mas é esse número que tá escrito aqui, como que não tem nenhuma Fernanda?
- É engano, moço.
- Se é engano, por que você atendeu? Passa pra Fernanda aí, vai. Por favor.
- Tô falando que não conheço nenhuma Fernanda.
- Para com isso, meu. Fernanda? É você mesmo, né? Queria te ver de novo.
- Cara, pelo amor de deus, não tem nenhuma Fernanda aqui, eu não chamo Fernanda, foi engano e pronto. Estou esperando uma ligação importante.
- E daí?
- O quê?
- E daí que você tá esperando uma ligação? Eu quero falar com a Fernanda.
- Puta merda, era o que faltava. Faz assim, para de ligar, tá bem? Você anotou o telefone errado.
- Qual seu nome?
- Como?
- Seu nome. Qual é?
- Por que isso interessa?
- Só queria saber.
- Me poupe.
*
- Pois não?
- Por que você desligou?
- Puta que pariu. O que você quer?
- Eu queria falar com a Fernanda, mas agora quero saber seu nome.
- Cornélia. Feliz?
- Cornélia? Estranho.
-...
- Já te ligaram? A ligação importante que cê tava esperando e tal...
- Você é mesmo muito inconveniente né?
- Olha só, A Fernanda passou esse telefone, não tenho culpa. Briga com ela, não comigo.
- Mas você tem culpa de ser um chato. Vai arrumar uma louça pra lavar.
- Credo, hoje é dia do meu colega de apartamento lavar, graças a Deus.
- Meu, foda-se.
- Aff, que mal educada. Mas então, tem certeza que a Fernanda não mora aí? Ou de que não morava até uns dois dias?
- Moro aqui há três anos.
- Não acredito que ela me enganou.
- Nem imagino por que ela faria isso...
- Pois é, Cornélia, nem eu. A gente teve uma noite muito da hora, sabe? Eu juro que fui super legal com ela, até a grana do táxi pra ela voltar eu dei. Queria deixar ela em casa, mas eu não tenho carro e já tava meio bêbado.
- Escuta, isso não me interessa. Você está me atrapalhando. Tchau.
*
- Alô.
- Cornélia?
- Ai, é você.
- Era mentira, não era?
- O quê?
- Seu nome de verdade não é Cornélia.
- Por que isso importa? Para de me ligar.
- Eu não tava ligando pra você, tava ligando pra Fernanda.
- Agora já sabe que não vai falar com ela. Passar bem.
- “Passar bem”?
- Ai meu caralho, que cara chato.
*
- Oi.
- Oi, tudo bem?
- Que você quer?
- Você desligou e sumiu, pensei que não ia mais atender.
- Bem que eu queria. Tô pensando em colocar uma bina só pra não te atender mais.
- Você não tem identificador de chamadas? Aliás, meu nome é Tiago.
- Cara, você perdeu a Fernanda, engole essa e segue sua vida. Ela não quer falar com você. Nem eu.
- Você saiu? Você tem namorado, Cornélia? Como ele é?
- Hum?
- Dois.
- Otário.
*
- Que é, Tiago?
- Tive um sonho estranho.
- Meu, você sabe que horas são?
- Sei.
- Não me liga no meio da madrugada, cacete. Aliás, não me liga nunca mais.
- Como você sabia que era eu?
-...
- Você sabia que era eu ligando. E fica falando que não vai mais me atender, mas atendeu agora mesmo sabendo que era eu. Você também gosta de falar comigo, não é? Cornélia? Alô?



Conto escrito por Allana Machado, participante do Escrevivendo. Ilustração de W. Tierno

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