Os
clãs Koboti e Takunada estavam frente a frente, no alto da montanha Dorakai.
Quem dominasse o lugar teria direito a todas as terras ao alcance dos olhos. A
treta seria maligna. Eu posso afirmar com certeza, pois estava lá.
Jaban
Punho de Princesa media mais de dois metros. A pele dele era laranja, quase
vermelha, esticada até o limite sobre uma massa de músculos rijos. Não usava
nada sobre o peito duro e desenhado. Tinha tatuagens de princesas nos bíceps e
o bicho todo lembrava a montanha pela qual lutaríamos em breve: cheio de
acidentes geográficos. Carregava no ombro a irmã cara de sapo. E quando a hora
da batalha chegou, o monstrão elevou sua voz de trovão e declarou de forma
inesperada:
— Nós,
os Koboti — berrou — queremos um guerreiro valoroso dos Takunada para casar com
minha irmã. Se isso se der, em respeito a essa união partiremos para o Vale Sul
em paz — finalizou, tirando com delicadeza a irmã-sapa do ombro.
Karadura,
líder do meu clã, espantou-se. Estávamos cansados demais para continuar lutando
e um casamento selaria um vantajoso tratado de paz.
— Tozamasi!
— Karadura chamou meu nome. Depois dirigiu-se ao líder dos Koboti apontando em
minha direção. — Este é o meu mais honrado e valoroso homem — mentiu, o descarado.
Fiquei
de frente para a moça-sapo. Ela tinha a pele esverdeada, o rosto miúdo afundado
numa cabeça oval e uma imensa papada cheia de carocinhos brilhantes. O tronco
era largo sobre as pernas fininhas. Uma visão medonha. Não aguentei. Curvei de
ânsia e deitei o almoço sobre seus pés minúsculos.
A
gargalhada explodiu entre guerreiros do meu clã, numa convulsão em cadeia.
Quando finalmente me ergui, implorando alto para não me casarem com a sapa, ouvi
soluços. A moça-sapa esfregava os olhinhos estrábicos, nervosa. Berrou, sem
aviso:
— MEU
NOME É LATYSKAAAAAA! Sapa é a maldita da sua avó!
O
grito veio seguido de cusparadas ígneas. A língua da minha ex-futura-noiva era
um comprido chicote flamejante, distribuindo lava para todos os lados. Os
Koboti cresceram pra cima do meu clã, e o massacre começou.
Caí
com a primeira pancada. Antes de apagar, vi Punho de Princesa esmagando crânios
como se fossem tomates podres.
Acordei
com um urubu tentando me jantar. Espantei o bicho e me vi em meio a um mar de
mortos. As aves agourentas se fartavam pra todo lado. Uma delas até grasnava,
feliz, deliciando-se com as tripas do meu líder.
— É, Tozamasi, você é um covarde sortudo. Salvou-se da morte certa — pensei comigo
mesmo. Ouvi uma voz feminina atrás de mim:
—
Então você está aí! Já estava desistindo de te encontrar. — A dona da voz tinha
o rosto mais lindo do mundo.
— Quem
é você? — perguntei, abestalhado.
— Meu
nome é Latyska. — ela respondeu para meu espanto. — Aquela que você chamou de
sapa.
Ela
estava mudada. Embora sua pele ainda fosse verde, Latyska agora era uma guerreira
musculosa que me encarava com um sorriso tentador. De repente, senti-me sujo e
fedorento.
—
De-desculpe. Eu não queria ter vomitado em você. Juro. Está bem bonita agora. Pode
casar com quem quiser — completei com um riso amarelo.
— Você
acha mesmo? Bom saber! — Ela jogou-me por cima dos ombros como um troféu de
guerra, e partimos com seu clã para conquistar o Sul.
Latyska
agora é a rainha de Dorakai e eu, seu rei raquítico. Descobri, com o tempo, que
havia uma estranha relação entre seus repentes incontroláveis de raiva e a
melhoria milagrosa de sua aparência. Claro que ela teve muitos outros ataques
furiosos, deixando-a cada vez mais linda. Na última, ficou ruivíssima e ainda
mais voluptuosa.
Vê meu
sorrisão? Sim, vejo que notou a falta dos meus dentes da frente. Nada de mais,
foram arrancados pelo último tapão carinhoso de Latyska. Mas estou muito feliz,
acredite! Quem não estaria, com uma esposa tão maravilhosa?
Só uma
coisa me preocupa. Latyska quer filhos e está cada vez mais forte e cheia de
energia. O temível Jaban, seu irmão, já parece fraquinho
perto dela. Mas, como disse antes, sou um homem feliz.
A
minha adorada consorte se aproxima, cheia de desejo, do nosso leito nupcial,
onde estou estendido, sem forças para me mexer. A terra treme sob suas passadas
poderosas. Com todas as células do meu pobre corpo tremendo de pavor, ouço a
sua voz de trovão:
— Meu
nome é Latyskaaaaaaaaaaa!!!!
Autora: Dany Fernandez.
Ilustração: Giulia Moon.
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Menos é Mais.
Autora: Dany Fernandez.
Ilustração: Giulia Moon.
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Menos é Mais.
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