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quarta-feira, 9 de março de 2016

Conto - Meu nome é Latyska


Os clãs Koboti e Takunada estavam frente a frente, no alto da montanha Dorakai. Quem dominasse o lugar teria direito a todas as terras ao alcance dos olhos. A treta seria maligna. Eu posso afirmar com certeza, pois estava lá.
Jaban Punho de Princesa media mais de dois metros. A pele dele era laranja, quase vermelha, esticada até o limite sobre uma massa de músculos rijos. Não usava nada sobre o peito duro e desenhado. Tinha tatuagens de princesas nos bíceps e o bicho todo lembrava a montanha pela qual lutaríamos em breve: cheio de acidentes geográficos. Carregava no ombro a irmã cara de sapo. E quando a hora da batalha chegou, o monstrão elevou sua voz de trovão e declarou de forma inesperada:
— Nós, os Koboti — berrou — queremos um guerreiro valoroso dos Takunada para casar com minha irmã. Se isso se der, em respeito a essa união partiremos para o Vale Sul em paz — finalizou, tirando com delicadeza a irmã-sapa do ombro.
Karadura, líder do meu clã, espantou-se. Estávamos cansados demais para continuar lutando e um casamento selaria um vantajoso tratado de paz.
— Tozamasi! — Karadura chamou meu nome. Depois dirigiu-se ao líder dos Koboti apontando em minha direção. — Este é o meu mais honrado e valoroso homem — mentiu, o descarado.
Fiquei de frente para a moça-sapo. Ela tinha a pele esverdeada, o rosto miúdo afundado numa cabeça oval e uma imensa papada cheia de carocinhos brilhantes. O tronco era largo sobre as pernas fininhas. Uma visão medonha. Não aguentei. Curvei de ânsia e deitei o almoço sobre seus pés minúsculos.
A gargalhada explodiu entre guerreiros do meu clã, numa convulsão em cadeia. Quando finalmente me ergui, implorando alto para não me casarem com a sapa, ouvi soluços. A moça-sapa esfregava os olhinhos estrábicos, nervosa. Berrou, sem aviso:
— MEU NOME É LATYSKAAAAAA! Sapa é a maldita da sua avó!
O grito veio seguido de cusparadas ígneas. A língua da minha ex-futura-noiva era um comprido chicote flamejante, distribuindo lava para todos os lados. Os Koboti cresceram pra cima do meu clã, e o massacre começou.
Caí com a primeira pancada. Antes de apagar, vi Punho de Princesa esmagando crânios como se fossem tomates podres.
Acordei com um urubu tentando me jantar. Espantei o bicho e me vi em meio a um mar de mortos. As aves agourentas se fartavam pra todo lado. Uma delas até grasnava, feliz, deliciando-se com as tripas do meu líder.
— É, Tozamasi, você é um covarde sortudo. Salvou-se da morte certa — pensei comigo mesmo. Ouvi uma voz feminina atrás de mim:
— Então você está aí! Já estava desistindo de te encontrar. — A dona da voz tinha o rosto mais lindo do mundo.
— Quem é você? — perguntei, abestalhado.
— Meu nome é Latyska. — ela respondeu para meu espanto. — Aquela que você chamou de sapa.
Ela estava mudada. Embora sua pele ainda fosse verde, Latyska agora era uma guerreira musculosa que me encarava com um sorriso tentador. De repente, senti-me sujo e fedorento.
— De-desculpe. Eu não queria ter vomitado em você. Juro. Está bem bonita agora. Pode casar com quem quiser — completei com um riso amarelo.
— Você acha mesmo? Bom saber! — Ela jogou-me por cima dos ombros como um troféu de guerra, e partimos com seu clã para conquistar o Sul.
Latyska agora é a rainha de Dorakai e eu, seu rei raquítico. Descobri, com o tempo, que havia uma estranha relação entre seus repentes incontroláveis de raiva e a melhoria milagrosa de sua aparência. Claro que ela teve muitos outros ataques furiosos, deixando-a cada vez mais linda. Na última, ficou ruivíssima e ainda mais voluptuosa.
Vê meu sorrisão? Sim, vejo que notou a falta dos meus dentes da frente. Nada de mais, foram arrancados pelo último tapão carinhoso de Latyska. Mas estou muito feliz, acredite! Quem não estaria, com uma esposa tão maravilhosa?
Só uma coisa me preocupa. Latyska quer filhos e está cada vez mais forte e cheia de energia. O temível Jaban, seu irmão, já parece fraquinho perto dela. Mas, como disse antes, sou um homem feliz.
A minha adorada consorte se aproxima, cheia de desejo, do nosso leito nupcial, onde estou estendido, sem forças para me mexer. A terra treme sob suas passadas poderosas. Com todas as células do meu pobre corpo tremendo de pavor, ouço a sua voz de trovão:
— Meu nome é Latyskaaaaaaaaaaa!!!!


Autora: Dany Fernandez.
Ilustração: Giulia Moon
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Menos é Mais. 

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