Ele tentou primeiro pelo método popular. Não dizem por aí que,
se você gerar um filho, plantar uma árvore e escrever um livro, você estaria
imortalizado? Bartolomeu fez um filho, Jeremias, pelo qual pouco se importava,
a não ser quando a mãe do garoto lhe atazanava por causa do atraso da pensão. O
livro, que chamou de “A Imorredoura Imortalidade de Uma Missão Imortal” foi um
fiasco. A jabuticabeira, seu fruto predileto, que plantou no fundo do quintal,
foi a que menos o desapontou: ao menos lhe dava frutos todos os anos. E a imortalidade,
cadê? Nenhuma. Em vez de se tornar imortal, quase morreu de desgosto.
Mas Bartolomeu não desistiu e começou a pesquisar outras
fórmulas para alcançar a danada dessa imortalidade. Para um alquimista,
vampirismo e pacto com o diabo estavam fora de questão. Iam contra os seus
princípios, sabem como é. Além disso, não queria trocar por uma dieta só de
sangue a sua deliciosa jabuticaba, ou ainda o saboroso yaki donburi, que virou seu prato predileto depois que se apaixonou
– e foi dispensado logo em seguida – por uma adivinha japonesa. Quanto ao pacto
com o tinhoso, até tentou num momento de fraqueza, mas o capeta recusou o
pedido, pois o inferno andava superpopuloso nesses tempos de muita política e
pouca ética.
Cada vez mais desesperado, Bartolomeu passou a procurar a
fórmula da Pedra Filosofal, que além de ter mil e uma utilidades – como
transformar qualquer metal em ouro – poderia trazer-lhe o Elixir de Longa Vida.
Tentou inúmeras receitas de seus colegas, que lhe vendiam as fórmulas a preços
módicos, mas todas se mostraram inócuas, o que muito o surpreendeu. Tudo conspirava
contra o seu desejo de corpo e alma em se tornar imortal. Os anos passavam, e o
seu objetivo lhe parecia cada vez mais distante. Um belo dia, por puro acaso, o
livro "A Grande Obra – Ou Os Segredos Nunca Revelados De Alquimia Só Para
Os Muito Iniciados" caiu-lhe literalmente nas mãos entre as estantes de um
sebo que passara a frequentar. Bartolomeu ficou estupefato. Apesar de todas as
decepções já passadas na sua longa vida, ainda lhe restava um pouco de fé.
Folheando o livro, deparou-se com receitas que nunca vira antes. Esperançoso,
chegou até a página 13, e lá estava: Pedra Filosofal - O Elixir.
Bartolomeu conseguiu todos os ingredientes, trancou portas e
janelas, fechou todas as cortinas. Paranoico que era, não queria que ninguém
visse nada, pois temia que lhe tomassem o tesouro. Preparou a sua tão querida e
desejada Pedra na mais absoluta solidão. Depois de tudo pronto, faltava apenas
deixar doze horas assando em alta temperatura. Ajustou o forno e colocou aquela
massa disforme dentro. Deu uma garfada no quinto prato de yaki donburi e um gole do décimo copo de uísque e esperou. O tempo
passou. Então a pontada no peito veio com tudo, derrubando-o. Era a sua
barriga. Era o seu peito. Era o coração a falhar. A comilança, a bebedeira e a
emoção da descoberta foram demais para Bartolomeu. Trancado que estava, o
socorro não veio. A última coisa que Bartolomeu ouviu foi um pi. E o forno
desligou ao término das 12 horas.
O único herdeiro, Jeremias, com seus trinta e nove anos de idade
cronológica e oito de idade mental, encontrou a Pedra Filosofal quando foi até a
casa do pai para pegar tudo que o velho tivesse de valor. Não sabia o que era
aquela pedra disforme e brilhante dentro do forno, mas pensou que poderia
vender por algum dinheiro se a transformasse em algo mais interessante. Colocou-a
no fogo e viu o quão maleável era, e trabalhou na peça para transformá-la num
lindo cinzeiro. Vendeu por vinte reais para um casal, na sua banca de
artesanato sobre o Viaduto do Chá.
* * *
Mais tarde, um casal confabulava sobre um estranho souvenir adquirido no centro da cidade:
– Querido – disse a mulher, franzindo o cenho. – Você está
fumando demais. Já acendeu outro cigarro?
– Eu, não! – respondeu o marido, espantado. – Eu juro que
apaguei o cigarro! Este cinzeiro é maluco. O cigarro nunca se acaba! É só eu
apagar o danado e ele volta a queimar. Que saco, onde já se viu um cinzeiro que
não apaga o cigarro? Fomos enganados, isso, sim!
E a magnífica obra de Bartolomeu, trabalhado pelas mãos do seu
herdeiro, voou das mãos do homem até a cesta de lixo. Dali seguiu viagem até o
lixão, onde permanece até hoje na sua imorredoura inutilidade...
Conto escrito por Miliany Pellegrini
Ilustração de Walter Tierno
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Criadores e Criaturas.
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Criadores e Criaturas.
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