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quarta-feira, 15 de junho de 2016

Conto - Bartolomeu e a Sua Busca Imortal

O desejo pela imortalidade é comum entre os alquimistas. Para Bartolomeu, era mais do que isso: uma obsessão. Ele a queria a todo custo, pois tinha pavor da morte. Só de pensar que todo o seu vasto conhecimento iria se perder ao término da vida carnal, o coração do alquimista já acelerava. Seus amigos feiticeiros, necromantes e magos o aconselhavam, sempre que podiam, a desistir dessa obsessão. Se grandes alquimistas do passado como Flammel e Paracelso não alcançaram a imortalidade, como Bartolomeu – um simples Bartolomeu – poderia ter sucesso? Mas o alquimista era categórico, queria preservar o que já tinha aprendido e acompanhar a evolução que ainda estava por vir.

Ele tentou primeiro pelo método popular. Não dizem por aí que, se você gerar um filho, plantar uma árvore e escrever um livro, você estaria imortalizado? Bartolomeu fez um filho, Jeremias, pelo qual pouco se importava, a não ser quando a mãe do garoto lhe atazanava por causa do atraso da pensão. O livro, que chamou de “A Imorredoura Imortalidade de Uma Missão Imortal” foi um fiasco. A jabuticabeira, seu fruto predileto, que plantou no fundo do quintal, foi a que menos o desapontou: ao menos lhe dava frutos todos os anos. E a imortalidade, cadê? Nenhuma. Em vez de se tornar imortal, quase morreu de desgosto.

Mas Bartolomeu não desistiu e começou a pesquisar outras fórmulas para alcançar a danada dessa imortalidade. Para um alquimista, vampirismo e pacto com o diabo estavam fora de questão. Iam contra os seus princípios, sabem como é. Além disso, não queria trocar por uma dieta só de sangue a sua deliciosa jabuticaba, ou ainda o saboroso yaki donburi, que virou seu prato predileto depois que se apaixonou – e foi dispensado logo em seguida – por uma adivinha japonesa. Quanto ao pacto com o tinhoso, até tentou num momento de fraqueza, mas o capeta recusou o pedido, pois o inferno andava superpopuloso nesses tempos de muita política e pouca ética.

Cada vez mais desesperado, Bartolomeu passou a procurar a fórmula da Pedra Filosofal, que além de ter mil e uma utilidades – como transformar qualquer metal em ouro – poderia trazer-lhe o Elixir de Longa Vida. Tentou inúmeras receitas de seus colegas, que lhe vendiam as fórmulas a preços módicos, mas todas se mostraram inócuas, o que muito o surpreendeu. Tudo conspirava contra o seu desejo de corpo e alma em se tornar imortal. Os anos passavam, e o seu objetivo lhe parecia cada vez mais distante. Um belo dia, por puro acaso, o livro "A Grande Obra – Ou Os Segredos Nunca Revelados De Alquimia Só Para Os Muito Iniciados" caiu-lhe literalmente nas mãos entre as estantes de um sebo que passara a frequentar. Bartolomeu ficou estupefato. Apesar de todas as decepções já passadas na sua longa vida, ainda lhe restava um pouco de fé. Folheando o livro, deparou-se com receitas que nunca vira antes. Esperançoso, chegou até a página 13, e lá estava: Pedra Filosofal - O Elixir.

Bartolomeu conseguiu todos os ingredientes, trancou portas e janelas, fechou todas as cortinas. Paranoico que era, não queria que ninguém visse nada, pois temia que lhe tomassem o tesouro. Preparou a sua tão querida e desejada Pedra na mais absoluta solidão. Depois de tudo pronto, faltava apenas deixar doze horas assando em alta temperatura. Ajustou o forno e colocou aquela massa disforme dentro. Deu uma garfada no quinto prato de yaki donburi e um gole do décimo copo de uísque e esperou. O tempo passou. Então a pontada no peito veio com tudo, derrubando-o. Era a sua barriga. Era o seu peito. Era o coração a falhar. A comilança, a bebedeira e a emoção da descoberta foram demais para Bartolomeu. Trancado que estava, o socorro não veio. A última coisa que Bartolomeu ouviu foi um pi. E o forno desligou ao término das 12 horas.

O único herdeiro, Jeremias, com seus trinta e nove anos de idade cronológica e oito de idade mental, encontrou a Pedra Filosofal quando foi até a casa do pai para pegar tudo que o velho tivesse de valor. Não sabia o que era aquela pedra disforme e brilhante dentro do forno, mas pensou que poderia vender por algum dinheiro se a transformasse em algo mais interessante. Colocou-a no fogo e viu o quão maleável era, e trabalhou na peça para transformá-la num lindo cinzeiro. Vendeu por vinte reais para um casal, na sua banca de artesanato sobre o Viaduto do Chá.

*  *  *

Mais tarde, um casal confabulava sobre um estranho souvenir adquirido no centro da cidade:
– Querido – disse a mulher, franzindo o cenho. – Você está fumando demais. Já acendeu outro cigarro?
– Eu, não! – respondeu o marido, espantado. – Eu juro que apaguei o cigarro! Este cinzeiro é maluco. O cigarro nunca se acaba! É só eu apagar o danado e ele volta a queimar. Que saco, onde já se viu um cinzeiro que não apaga o cigarro? Fomos enganados, isso, sim!
E a magnífica obra de Bartolomeu, trabalhado pelas mãos do seu herdeiro, voou das mãos do homem até a cesta de lixo. Dali seguiu viagem até o lixão, onde permanece até hoje na sua imorredoura inutilidade... 


Conto escrito por Miliany Pellegrini
Ilustração de Walter Tierno
Este conto fez parte de uma das atividades práticas do Escrevivendo Criadores e Criaturas

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